segunda-feira, setembro 6

Compartilhamento de dados e impunidade na Guatemala

Em uma das últimas mesas de debates desta Conferência Latino-Americana de Jornalismo Investigativo, que termina nesta segunda-feira, foram apresentados casos de compartilhamento de dados e informações por jornalistas em diferentes continentes e também um estudo de impunidade na Guatemala.

Paul Radu – jornalista que coordena no leste europeu um grupo de investigação sobre crime organizado – falou sobre a importância de reunir informações de diferentes fontes em bancos de dados abertos a jornalistas que estejam investigando o mesmo caso em distintos países. Ou seja, que todos possam alimentar e também utilizar esses dados em investigações multinacionais.

Algumas informações da África ou da Ásia, por exemplo, podem servir a jornalistas que estejam investigando o mesmo caso na Europa, ou vice-versa. O compartilhamento de informações entre jornalistas ainda é pouco difundido, segundo Radu. Além de investigar, ele também ministra cursos de treinamento para conectar os jornalistas em âmbito internacional.

Juan Luis Font e Pierre Fruhiling falaram sobre casos de impunidade na Guatemala. Fruhiling mostrou um estudo realizado entre 2006 e 2007 sobre os homicídios no país. De acordo com ele, 70% dos casos aconteceram em apenas cinco departamentos (Estados), sendo que 90% dos assassinados eram homens entre 15 e 29 anos.

Ao todo, foram analisados 478 casos, destes só 20 tiveram algum trâmite processual e nenhum suspeito foi condenado. O estudo foi publicado e distribuído no país.

domingo, setembro 5

Assassinatos e violação dos direitos humanos

Atentados contra os direitos humanos e assassinatos foram os temas de uma das mesas que deu início aos debates desta tarde. Leonencio Nossa, do jornal O Estado de S. Paulo, relatou o seu árduo trabalho ao longo de sete anos para revelar a matança na Guerrilha do Araguaia, ocorrida durante a ditadura brasileira, na selva amazônica.

Em junho de 2009, o jornalista teve acesso aos arquivos do major Curió, que é um dos únicos militares que ainda tem informações sobre a 3ª campanha da guerrilha, na qual foram mortos 68 guerrilheiros. De acordo com a pesquisa e a apuração de Nossa, 41 deles foram presos e executados, e não mortos em combate como sustentava o Exército.

Ao longo do período de investigação, Nossa acumulou 400 depoimentos, muitos deles de camponeses, militares e pessoas relacionadas com a guerrilha. As reportagens mostraram cemitérios clandestinos, listas inéditas de guerrilheiros que foram assassinados e uma entrevista exclusiva com Curió.

“A Guerrilha do Araguaia foi a Guerra das Malvinas brasileira”, considerou o jornalista. Apesar de dar uma luz à história, Nossa reforçou que muitos arquivos das Forças Armadas ainda estão fechados, são desconhecidos e que boa parte das informações desta época seguem enterradas, assim como os cemitérios clandestinos.

Um dos ganhadores do Prêmio Latino-Americano de Jornalismo Investigativo na noite de ontem, em terceiro lugar, Carlos Dada relatou o caso do assassinato de Monsenhor Romero, na década de 80, em El Salvador. O crime foi considerado de lesa humanidade e o jornalista encontrou um dos suspeitos 30 anos depois, que lhe contou parte da história.

O trabalho de investigação foi elaborado e publicado no portal ElFaro.net, especializado em investigações jornalísticas. Nas primeiras 24 horas após a publicação, a repercussão foi tão grande que derrubou o acesso ao site. As revelações foram republicadas em blogs e amplamente difundidas e compartilhadas nas redes sociais de toda a América Latina.

Colômbia ganha o principal Prêmio Latino-Americano de Jornalismo Investigativo

A série de reportagens Espionagem e grampos ilegais em DAS – publicada na revista Semana e assinada pelos jornalistas Ricardo Calderón, Alejandro Santos, Alfonso Cuéllar, Luz María Sierra e Carlos Eduardo Huertas – ganhou o principal Prêmio Latino-Americano de Jornalismo Investigativo, que é de US$ 15 mil.

O trabalho mostrou as interceptações telefônicas ilegais que o Departamento Administrativo de Segurança da Colômbia (DAS) fazia para políticos da oposição, juízes e jornalistas, sem autorização judicial, e foi considerado a melhor revelação jornalística publicada no continente durante o ano de 2009.

Em segundo lugar, ficou o jornal O Estado de S. Paulo, com a série O Caso Sarney, assinada por Leandro Colón, Rodrigo Rangel e Rosa Costa. As reportagens revelaram a rede de corrupção e nepotismo implantada por José Sarney, ex-presidente do Brasil e atual presidente do Senado. Os jornalistas receberam o prêmio de US$ 10 mil.

A série denominada No caminho, publicada pelo site ElFaro.net, de El Salvador, ficou com o terceiro prêmio, de US$ 5 mil. Assinadas pelo jornalista Oscar Martínez, as matérias mostram uma investigação completa sobre as máfias que lucram e atuam na fronteira do México com os Estados Unidos.

Também foram entregues menções honrosas a 13 trabalhos finalistas de países como Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá, Paraguai e Venezuela.

O júri deste prêmio foi composto por Tina Rosenberg (EUA), Giannina Segnini (Costa Rica), Gustavo Gorriti (Peru), Marcelo Beraba (Brasil) e Gerardo Reyes (Colômbia). Ao todo, 230 trabalhos da região concorreram.

A Conferência Latino-Americana de Jornalismo Investigativo segue ao longo deste domingo e termina amanhã, segunda-feira, no início da tarde. Acompanhe a apresentação dos trabalhos e os debates ao vivo, neste link: http://www.ipys.org/colpin-2010/index.html

sábado, setembro 4

México é o país mais violento para jornalistas na América Latina

A violência extrema contra os jornalistas no México foi tema de uma mesa exclusiva nesta Conferência Latino-Americana de Jornalismo Investigativo. Carlos Lauría, do Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) – entidade que registra ataques contra repórteres e meios de comunicação – começou sua fala dizendo que o México é o país mais perigoso para o exercício do jornalismo na América Latina, superando inclusive a Colômbia.

De acordo com ele, o país registrou uma quantidade de assassinatos superior à do Iraque, em 2009. Muitos jornalistas mexicanos também estão exilados neste momento e 90% dos crimes contra a liberdade de imprensa seguem impunes.

Uma consequência imediata da violência, segundo Laurí, já é a autocensura dos veículos devido à falta de garantia e segurança. Com isso, os jornais acabam deixando de informar questões que afetam diretamente a vida das populações locais.

Um caso emblemático citado na apresentação foi o sequestro de quatro jornalistas de emissoras de TVs mexicanas por narcotraficantes. Para a liberação, eles exigiram a veiculação de um vídeo contra um cartel opositor, condição que foi aceita pelos veículos. Os jornalistas foram liberados depois de poucos dias. Com isso, o CPJ alerta para o poder dos narcotraficantes no controle da informação.

Martín Orquíz, do jornal El Diario, relatou os casos de violência em Ciudad Juárez, uma das mais violentas. Nessa região, cerca de 230 mil pessoas deixaram a cidade com medo da violência e em função dos diversos problemas econômicos. Equipamentos jornalísticos são facilmente apreendidos pelos traficantes de Ciudad Juárez e cenas de corpos resgatados são comuns na cidade.

Corrupção e falsificação de medicamentos

Na primeira mesa desta tarde, a falsificação de medicamentos foi o tema central, com a apresentação de casos de investigações na Argentina, no Brasil e no Chile. Do jornal argentino Perfil, Emilia Delfino iniciou os trabalhos contando sobre a máfia dos remédios que eram vendidos pelo governo a farmácias locais.

Alguns desses medicamentos eram roubados, outros eram distribuídos com a data de validade vencida e vários eram inclusive adulterados quimicamente. A reportagem deu força a uma investigação da polícia que já estava em curso e com documentos foi possível comprovar os acordos financeiros entre o poder público e as farmácias.

Alana Rizzo mostrou a séria de reportagens publicada no jornal Estado de Minas cuja investigação revelou como os medicamentos falsificados entram no Brasil pelas fronteiras – principalmente pelo Rio Grande do Sul – como são distribuídos para vários estados e quais foram as conseqüências na saúde dos pacientes.

Com poucos dados estatísticos e oficiais, a equipe de reportagem optou por dar voz aos pacientes e às famílias, mostrando o drama e o dia-a-dia das vítimas, muitas delas inclusive que acabaram morrendo durante o período de investigação jornalística. Um dos casos foi o de uma paciente que teve um pino de sucata inserido em seu pescoço durante uma cirurgia e que lhe tirou alguns movimentos.

O jornal revelou que o próprio governo comprava remédios falsificados e os distribuía pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com prejuízo de 40 milhões de dólares em três anos por causa dos produtos de baixa qualidade que foram utilizados, como bisturis. Só em 2009, foram apreendidas 313 toneladas de medicamentos falsos no Brasil, de acordo com Alana.

Elías Sánchez, do Canal 13, do Chile, contou a história da série de reportagens que denunciou a contaminação por arsênico na região de Arica, que é uma das mais pobres do país. A investigação começou a partir da denúncia de que crianças estavam adoecendo e que várias pessoas já tinham morrido de câncer.

Os jornalistas entrevistaram mais de 100 famílias, analisaram relatórios oficiais de saúde, solicitaram exames em laboratórios e também recorreram à consultoria de especialistas no tema. Nas universidades, tiveram muita dificuldade em ter depoimentos de acadêmicos em função das pesquisas que são financiadas pelo Estado e várias fontes não quiseram ser identificadas nos esclarecimentos técnicos.

A investigação, por fim, mostrou que várias vítimas não tinham apenas chumbo no sangue, como dizia o governo, mas também arsênico.

Veja a apresentação de Emilia Delfino, publicada no jornal Perfil:

Irregularidades em programas e gastos sociais

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo do presidente Lula foi objeto de uma série de reportagens investigativas do jornal Correio Brasiliense e cujas distorções foram apresentadas pelo jornalista Lúcio Vaz em uma das mesas desta manhã.

Com cruzamento de planilhas eletrônicas de dados oficiais, o jornal fez uma análise qualitativa dos gastos para verificar como o dinheiro estava sendo utilizado e se estava atendendo também as regiões mais pobres. O mapa das obras revelou que havia grandes distorções entre a verba investida na região do litoral brasileiro comparada com aquela destinada ao interior do sertão nordestino.

Um dos cruzamentos feitos pelo jornal foi relacionar os investimentos do PAC em cada região com a quantidade de eleitores, cujo resultado mostrou que as regiões menos populosas também são as mais esquecidas pelo governo federal.

O jornal teve acesso a relatórios da auditoria federal que mostravam que muitas obras estavam atrasadas e que também havia pressão do governo para a liberação dos recursos. Muitas dessa obras, de acordo com Vaz, ficarão inacabadas e deverão ser concluídas no próximo governo. A fiscalização – salientou o jornalista – está ocorrendo mais na imprensa, ao passo que a oposição neste momento está anestesiada, mesmo em período eleitoral.

Na sequência, Gustavo Gorriti mostrou o trabalho de investigação realizado pelo centro de investigação IDL Reporteros, do Peru, sobre a venda de terrenos para especulação imobiliária em Lima, capital do país.

O veículo revelou que o governo local vendeu a preços simbólicos e irrisórios uma área litorânea do sul da cidade a um “traficante de terrenos”, que os revendeu a um valor muitíssimo maior. A região hoje é uma das que tem o metro quadrado mais caro da costa limenha e está ocupada pela elite local.

Gorriti salientou que a investigação foi realizada por um pequeno veículo, que começou a atuar em fevereiro deste ano com quatro jornalistas, com o apoio da Open Society. Por meio das redes sociais, eles divulgam as informações e revelações dos trabalhos, que rapidamente chegam aos meios de comunicação e ganham grande repercussão.

Veja a apresentação de Gustavo Gorriti:

Investigações de presidentes latino-americanos

O segundo dia da Conferência Latino-Americana de Jornalismo Investigativo começou com duas mesas de debates sobre reportagens que investigaram os presidentes da República de países latino-americanos e o enriquecimento ilícito como consequência de negócios relacionados ao exercício do poder.

María O’Donnell mostrou em números como o casal Néstor e Cristina Kirchner duplicaram o seu patrimônio nos dois primeiros anos de mandato e como os números aumentaram vertiginosamente desde então. Dos 7 milhões de pesos argentinos iniciais, os bens já somam 55 milhões de pesos, algo como 10 milhões de dólares, de acordo com a declaração patrimonial.

Entre as atividades extras do casal, está o aluguel de grandes imóveis, investimentos em fundos fixos e também no setor turístico no sul do país. A jornalista lembrou também a estatização da empresa Aerolíneas Argentinas, que desde então tem convênio direto com os negócios turísticos dos Kirchner. No país, no entanto, não se discute o enriquecimento ilícito no Congresso, nem mesmo em época que campanhas eleitorais.

Da Colômbia, o jornalista Ignácio Gómez também falou sobre o enriquecimento ilícito do agora ex-presidente Álvaro Uribe, que comprou inclusive terras na zona franca do país. Gómez salientou a violência e intimidação dos jornalistas e como os paramilitares influenciam no modelo político do país.

Ao contrário da Argentina – e da maioria dos países democráticos – na Nicarágua a declaração de bens do presidente não é pública. De acordo com o jornalista Carlos Fernando Chamorro, o presidente Daniel Ortega e o seu governo gerenciam operações milionárias de fundos públicos. A estimativa é de uma movimentação de 950 milhões de dólares nos últimos três anos.

A conferência também está sendo transmitida pela internet, simultaneamente. Acesse: http://www.ipys.org/colpin-2010/index.html

Veja a apresentação de María O’Donnell: